Rosangela Pureza Cavalcante entrou no Hospital Regional Público do Marajó, no Pará, para fazer uma cirurgia na clavícula após ter sofrido um acidente de moto. Porém, ao acordar, a paraense de 42 anos descobriu que a equipe médica havia retirado o útero dela.
O erro operatório ocorreu no dia 24 de janeiro. Dois dias depois, a família registrou ocorrência na delegacia de Breves, na Ilha do Marajó. A Polícia Civil investiga o caso e afirma que testemunhas devem ser ouvidas.
A Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa) disse que os profissionais envolvidos no episódio foram afastados preliminarmente e que apura o caso junto à Organização Social de Saúde que administra a unidade.
Rosangela caiu de moto no dia 18 de janeiro e de imediato procurou atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), de Breves. Ao fazer um raio-x, ela constatou que quebrou a clavícula — um osso do ombro que liga o tórax ao membro superior.
No mesmo dia, a equipe da UPA encaminhou a paciente para o Hospital Regional do Marajó. Ela deu entrada na unidade por volta das 10h30 e por lá ficou até o dia 24, quando passou pela cirurgia.
O desespero
Um irmão e uma nora de Rosangela ficaram revezando como acompanhantes no período de internação dela. Mas, no dia da cirurgia, a nora foi impedida de acompanhar o procedimento, segundo o relato da família.
Após os efeitos da anestesia, Rosangela acordou e pediu para o irmão ver se a operação foi feita, pois ela não percebeu nada. O desespero veio imediatamente após ela passar a mão na barriga e sentir dores e as marcas de pontos cirúrgicos.
Rosangela afirmou que falou para dois técnicos de enfermagem que a cirurgia feita estava errada e eles responderam: “O importante é que foi feita a cirurgia na senhora”, contou.
O irmão da vítima, que estava esperando por ela, cobrou imediatamente uma explicação do hospital. Após isso, outros pacientes que dividiram o quarto com Rosangela foram retirados da sala.
A conversa que se deu em diante entre Rosangela, o irmão dela e equipe médica, foi gravada por um dos familiares.
O “equívoco”
Segundo a gravação cedida pela família de Rosângela, a médica Lígia Sant’ana Bonisson entrou no local, se identificou pelo primeiro nome, e disse que ocorreu um “equívoco”, uma troca na identificação de pacientes. Segundo Lígia, uma enfermeira identificou Rosangela como Maria e a encaminhou para sua sala, com o prontuário trocado.
“Ontem estava movimentado o bloco e tinha feito uma cirurgia em uma senhora de 80 anos que estava aguardando uma outra cirurgia, que era retirada de útero. E ontem, olha o que aconteceu, houve uma troca de identificação”, disse a médica na gravação.
Com relação à Maria, ainda segundo a gravação, ela teve a cirurgia cancelada. Rosangela, que ainda estava com a clavícula fraturada, começa a chorar após saber o que aconteceu.
“Não vai mudar nada na questão do seu pós-operatório. O mesmo tempo que você iria ficar em repouso para o ombro, é o período da cirurgia do abdome”, disse Lígia.
Segunda cirurgia
Em 25 de janeiro, Rosangela retornou mais uma vez à sala de cirurgia, para fazer a operação correta, na clavícula. Porém, dessa vez o hospital deixou que alguém da família acompanhasse o procedimento. No dia 27, ela recebeu alta.
O hospital forneceu um veículo do próprio hospital para levá-la para a casa da mãe, onde ela vive com três dos quatro filhos que têm. A mãe de Rosangela, uma senhora idosa, também sofre pelo que aconteceu com a filha.
“Minha mãe está lá, chorando junto com minha irmã. Minha irmã saiu para fazer uma cirurgia pra clavícula e retornou pra casa da minha mãe desse jeito. Era ela, a minha irmã, que trabalhava e ajudava minha mãe na renda da casa. Minha mãe, uma pessoa de idade, é quem está cuidando da minha irmã”, disse um familiar que prefere não se identificar.
Segundo Rosangela, o Hospital Regional Público do Marajó não ofereceu, até esta sexta-feira (2), nenhum suporte emocional ou de saúde pós-operatório. A unidade apenas receitou alguns medicamentos ainda no dia 27 de janeiro.
O Hospital Regional Público do Marajó é uma unidade do Estado do Pará, gerenciada por meio da Organização Social de Saúde (OSS) Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH).
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa), o órgão “está prestando apoio à paciente, com atendimento multiprofissional e acompanhamento ambulatorial”. A família de Rosangela, porém, contesta e diz que não recebeu apoio pós-operatório desde que saiu do hospital.
O g1 entrou em contato com o Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano e até a públicação desta reportagem não havia recebido retorno. O g1 também contactou a médica Lígia Sant’ana Bonisson por email, enviando solicitação de posicionamento e aguarda retorno.
Já o Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM) informou que “instaurou o devido procedimento apuratório”. “O CRM-PA ressalta que, conforme o artigo 1º do Código de Processo Ético-Profissional, os procedimentos que tramitam nos Regionais são sigilosos”.
Segundo o Coren-PA, “caso, após o amplo direito de defesa e contraditório, houver a comprovação da participação da referida profissional no episódio, a mesma poderá ser punida, conforme prevê o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, inclusive com a aplicação da pena de cassação do direito ao exercício profissional”.
Fonte: G1