Qualquer tipo de agressão a crianças, seja física ou psicológica, pode ser considerado crime. De acordo com a Constituição Federal, crianças e adolescentes têm direito à dignidade e não podem ser expostos à violência, crueldade e opressão.
No fim de semana, uma mulher foi presa preventivamente após agredir sua filha de 11 anos em Pernambuco. Na abordagem, a policial militar que atendeu a ocorrência foi filmada dando um tapa no rosto da mulher após ver as marcas de espancamento no corpo da criança.
De acordo com Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direto da infância e da juventude e ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em casos como esse, o responsável pode responder até por crime de tortura.
“A Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) asseguram a inviolabilidade da integridade física e psicológica das crianças e adolescentes. Eles não podem ser submetidos a nenhuma forma de violência”, detalha o advogado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o conjunto de leis que estabelece os direitos e deveres das crianças e adolescentes no Brasil. O estatuto tem como objetivo proteger a integridade física e psicológica desse grupo, garantindo seu desenvolvimento.
Além de proteger as crianças, o ECA também prevê medidas preventivas para casos de violência, além de orientação e penas para aqueles que praticam algum tipo de agressão contra crianças e adolescentes.
O que diz a lei
Iberê de Castro Dias, juiz da Vara da Infância e Juventude, explica que a Constituição sempre protegeu as crianças e adolescentes contra agressão. Mas uma legislação específica e a inclusão de leis sobre esse tema ajudaram a deixar mais claras as consequências para aqueles que protagonizam algum tipo de violência.
“No passado, se tinha muito uma visão que os filhos são propriedade dos pais e eles podem fazer o que bem entenderem na educação das crianças, mas isso vem se modificando”, analisa o advogado.
Nesse contexto de mudança, a Lei Menino Bernardo, também conhecida como Lei da Palmada, é um marco importante.
A lei especifica o que é considerado castigo físico e tratamento cruel ou degradante:
- Castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física aplicada sobre a criança ou o adolescente que resulte em sofrimento físico ou lesão;
- Tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize.
Segundo Iberê, com essa lei houve pela primeira vez a explicitação da proibição desse tipo de violência, o que contribuiu para o maior debate do tema na sociedade, além de especificar as punições para esse tipo de situação.
Ariel de Castro Alves, que também é membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-SP, ressalta que a lei traz alterações fundamentais no ECA, auxiliando na proteção desse grupo.
“Ela [a lei] foi criada para enfrentar a cultura e tradição de violência contra crianças e adolescentes sobre o pretexto ‘educacional’, entendendo que quem sofre violência pratica violência”, afirma.
Educação positiva
Os especialistas explicam que um dos principais motivos pelos quais a proibição desse tipo de violência existe é porque qualquer castigo físico ou psicológico contra crianças e adolescentes tem consequências maléficas diretas em seu desenvolvimento.
Irene Gaeta, membro da Associação Internacional de Psicologia Analítica (IAAP), lista que entre as principais consequências das agressões estão:
- Ansiedade
- Transtornos depressivos
- Baixo desempenho na escola
- Comportamento agressivo e violento
- Síndrome do pânico
- Quadros depressivo
A psicóloga e professora Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Isabel Kahn, comenta que as agressões podem levar à reprodução desses comportamentos agressivos por parte dessas crianças e adolescentes em outras relações no futuro.
“Eles podem repetir essa forma de domínio diante daqueles que se sentem mais fortes, é um padrão de agressividade que se reproduz para alguns”, explica.
As especialistas também lembram que os pais e cuidadores devem sempre estar cientes que suas experiências passadas influenciam suas atitudes frente à educação. Elas reforçam a necessidade dos pais e cuidadores serem firmes na educação, mas sempre tendo em mente a importância da escuta.
“A comunicação é a base para estabelecer limites na educação dos filhos. Ao se comunicar de forma clara e calma, os pais podem criar um ambiente de entendimento e respeito mútuo”, aconselha Irene Gaeta.
Isabel ainda comenta que os limites vêm para proteger as crianças, e que escutar não significa fazer todas as suas vontades. “É preciso entender quais são seus princípios e seus valores e que não se pode fazer valer uma regra na base da força”, afirma.
Consequências para os agressores
Além de explicitar a proibição do uso de violência na educação de crianças, o ECA também determina as punições que devem ser aplicadas nessas situações.
“A rigor, o limite para se definir o que é ou não agressão é zero. Nenhuma agressão verbal ou física é permitida. Mas a forma como isso ecoa na criança vai determinar as consequências para aquele que promoveu a agressão”, analisa Iberê Dias.
A lei prevê que os responsáveis que utilizarem castigos físicos ou psicológicos estão sujeitos às seguintes medidas, que serão aplicados de acordo com a gravidade do caso:
- Encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de proteção à família;
- Encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
- Encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
- Advertência.
A depender do nível da agressão, pode ser configurada nos crimes de tortura e maus tratos. Ambos preveem pena de detenção e multa e têm a pena aumentada quando a vítima é criança ou adolescente.
“Só punir não resolve. É preciso educar mães, pais e responsáveis para que exerçam seu papel de educadores da maneira correta, com cuidado e sem violência”, alerta Iberê Dias.
Denúncia
Os especialistas ainda ressaltam a importância da denúncia nos casos de violência contra crianças e adolescentes. Aqueles que presenciarem qualquer tipo de agressão contra esse grupo pode realizar uma denúncia anônima no Disque 100 (Disque Direitos Humanos).
Além disso, é possível acionar o Conselho Tutelar, o Ministério Público e a Polícia Militar.