Os tiros disparados na manhã de hoje na favela de Paraisópolis, zona sul de capital paulista, não tinham como alvo premeditado Tarcísio de Freitas, candidato do Republicanos ao governo de São Paulo, de acordo com policiais militares que atuam na região. O MP (Ministério Público) não tem indícios de ameaça de morte do PCC (Primeiro Comando da Capital), a facção criminosa que domina o local, contra nenhum dos candidatos ao Poder Executivo. A cúpula da PM dá como certo que não houve atentado contra Tarcísio, versão reforçada pela dinâmica da ocorrência. De acordo com PMs que atuam no setor de inteligência da corporação e oficiais com experiência de atuação em Paraisópolis, há duas suspeitas sobre o início do tiroteio, o que ainda é checado pela Segurança Pública paulista. A primeira é que PMs faziam ronda em ruas próximas de onde Tarcísio e sua comitiva passariam — e, ao encontrarem criminosos armados em motocicletas, teve início a troca de tiros.
A segunda é que o staff chegou ao local à paisana antes do candidato e que, nesse momento, encontrou olheiros armados em motos. Há ruas em Paraisópolis que abrigam olheiros em motocicletas que acompanham pessoas desconhecidas e, se veem algo que chama a atenção, repassam as informações para integrantes do PCC. Por essa segunda hipótese, a comitiva de Tarcísio teria visto dois olheiros e avisado a PM, que, ao se dirigir ao local indicado, encontrou criminosos armados em uma moto e se iniciou o tiroteio.
Imagens mostram suspeitos. Imagens às quais o UOL teve acesso mostram dois rapazes em uma moto na favela de Paraisópolis hoje. Com as mãos no guidão estava um homem de camiseta verde e branca e um boné cinza. Na garupa, um outro homem, de camiseta azul e de boné roxo, que aparentava estar filmando o local. Uma outra imagem mostra o rapaz de verde e branco momentos depois, baleado e aparentemente desacordado, ao lado da moto tombada e de um cartucho de arma.
Dinâmica indica confronto e afasta hipótese de atentado. Embora a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) não tenha descartado oficialmente a hipótese de atentado, a dinâmica da ação indica que o confronto ocorreu porque agentes identificaram ao menos oito homens armados a cerca de 100 metros do local onde havia ato de campanha de Tarcísio. Dois homens com fuzis. Segundo a Polícia Militar, dois deles portavam fuzis. Uma van escolar, que estava na linha de tiro, foi atingida por disparos.
Imagens de câmeras em uniformes. Investigadores agora buscam imagens de câmeras de segurança e vídeos registrados por quem presenciou a ação. A polícia também irá investigar imagens captadas pelas câmeras acopladas nas fardas de agentes na ocorrência. Nenhum dos disparos atingiu o prédio onde estava o candidato ao governo de São Paulo.
Quem era suspeito morto. O suspeito morto foi identificado como Felipe Silva de Lima, de 27 anos. De acordo com moradores de Paraisópolis, ele morreu na hora. Segundo policiais militares, ele foi levado ao pronto-socorro do Hospital Campo Limpo, onde não resistiu aos ferimentos. Oficiais da corporação reafirmam, a partir do incidente de hoje, a importância das câmeras corporais dos PMs para esclarecimentos de crimes. A partir das imagens gravadas pelos policiais, é possível chegar à dinâmica dos fatos, avaliam. Tarcísio afirmou em entrevista à Jovem Pan ser a favor de retirar as câmeras corporais dos PMs. Uma semana depois, recuou e disse que avaliaria a decisão.
Rotina
Um oficial da PM afirmou à reportagem que, desde o ano passado, criminosos que atuam nas favelas de Paraisópolis e de Heliópolis, além dos que ficam na Baixada Santista, estão com um procedimento mais violento do que o normal. Segundo ele, qualquer equipe policial que entra nessas localidades, desde então, é alvo de tiros: Criminosos ligados ao crime organizado disparam contra os carros e motos da polícia e correm para dentro da favela na sequência. Tribunal do crime. Paraisópolis, inclusive, é apontado como o local que concentra as principais decisões do “tribunal do crime” do PCC, de acordo com processos analisados pelo UOL Notícias. Capturado dentro da favela só por causa do sotaque de outro estado, um sobrevivente detalhou à reportagem que poderia ter sido assassinado caso desse uma resposta errada. “Chefe do crime” solto desde setembro. Desde setembro do ano passado, está em liberdade Francisco Antonio Cesário da Silva, o Piauí, apontado pela Polícia Civil e pelo MP paulista como o principal chefe do PCC em Paraisópolis. De acordo com membros do setor de inteligência da PM, Piauí tem um perfil agressivo. Com um chefe mais violento à frente de comunidades importantes para a facção, a tendência é que o crime organizado atue de maneira também mais violenta.
O relato de moradores
Moradores entrevistados pela reportagem não presenciaram o momento do tiroteio, mas afirmam que o episódio nada indica que houve correlação do incidente com a ida do candidato à favela, já que não é incomum troca de tiros durante ações policiais na região. Uma das moradoras entrevistadas, que vive próximo de onde o tiroteio aconteceu, relatou à reportagem apenas ter escutado helicópteros e viaturas chegando até Paraisópolis. Ao ligar a televisão momentos depois, se informou do que havia acontecido. O pastor e líder comunitário Igor Alexsander relatou ao UOL Notícias que a ação da PM, infelizmente, é “normal” na comunidade: “Virou uma situação rotineira, que os moradores de bem sempre são as vítimas. A entrada da polícia hoje não é algo fora do contexto diário que vivemos, um dos fatos que mais no chocou foi o massacre de Paraisópolis. Hoje é esquecido, não aconteceu nenhum atentado no dia de hoje, mas sim dia 1º de dezembro de 2019”.
Uso político
Desde que Tarcísio de Freitas afirmou, no início da tarde, que ele e sua equipe foi “atacada” por criminosos, se propagou na internet uma série de informações que tentavam ligar o combate ao crime organizado à direita, em contraposição à esquerda, Depois de que a informação sobre o possível ataque foi perdendo força, a equipe de Tarcísio convocou uma coletiva de imprensa para as 16h, mas trocou a palavra “ataque” por “tentativa de intimidação”. O governador Rodrigo Garcia (PSDB) afirmou que determinou imediata investigação do caso e que “a Polícia Militar agiu rápido e garantiu a segurança de todos”. Fernando Haddad (PT), adversário de Tarcísio no segundo turno do pleito, manifestou surpresa ao saber do ocorrido e afirmou fazer uma campanha “de paz”. Procurada, a PM confirmou ter sido acionada às 11h24 para atender uma ocorrência na comunidade, mas não forneceu detalhes. O secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, em entrevista coletiva, não cravou o que aconteceu em Paraisópolis: “Nenhuma hipótese é afastada. Houve sim um ruído com a presença policial naquela área de modo que o tiroteio ocorreu a cem metros de onde estava o candidato. Isso assusta todo mundo.”
FONTE: UOL