“Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade”. Essa é a descrição da “vadiagem“, conduta ainda hoje considerada uma contravenção penal pela legislação brasileira, inclusive com a previsão de prisão de até três meses.
A infração foi instituída no Brasil em 1941, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, por meio da Lei de Contravenções Penais. O mesmo texto também considerava como contravenções práticas a predição de futuro, a explicação de sonhos e a mendicância — legislações recentes, no entanto, revogaram a criminalização dessas condutas.
Com este mesmo intuito, proposta apresentada pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES) pretende revogar o trecho da Lei de Contravenções Penais que pune a vadiagem. O projeto de lei 1212/2021 está, inclusive, na pauta da reunião da próxima terça-feira (8) da Comissão de Segurança Pública do Senado Federal.
Na ocasião, deve ser votado o parecer da senadora cearense Augusta Brito (PT), que é favorável à aprovação do projeto e defende o fim da criminalização da vadiagem, que considera um “entulho” dentro da legislação brasileira.
“O crime de vadiagem permanece na nossa Lei e é um entulho da legislação que reflete um preconceito contra negros e pessoas pobres. Raramente, esse artigo da lei é usado como motivo para prisões atualmente, mas isso não quer dizer que alguém não possa apelar a ele por causas pouco republicanas. O melhor que temos a fazer é retirar isso de nossa legislação”.
AUGUSTA BRITOSenadora
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO?
Autor do projeto, o senador Fabiano Contarato usa de argumentação semelhante a de Augusta Brito. Na justificativa da proposta, ele aponta que a regra penal “promove a desigualdade e penaliza a pobreza”, além de ter “forte componente racista”.
“A generalidade dos seus termos autoriza que estereótipos e preconceitos guiem e motivem a sua aplicação, razão pela qual era especialmente utilizada para perseguir sambistas negros durante as décadas de 40 e seguintes”, relata.
No texto, Contarato cita ainda as consequências da pandemia de Covid-19, dentre os quais o aumento do desemprego no País.
“Além da crueldade inerente, processar uma pessoa por vadiagem reduzirá as chances de que ela consiga sair desta condição, em função do estigma social de maus antecedentes criminais, e onera o sistema judicial com pessoas cuja periculosidade social é inexistente ou incomprovada”.
FABIANO CONTARATOSenador
Este último ponto também é destacado pela senadora. “O Poder Judiciário e a polícia têm que se dedicar especialmente ao combate a crimes violentos que assustam toda a sociedade”, ressalta a cearense.
Ela cita que existem, atualmente, mais de 300 crimes previstos no Código Penal brasileiro, incluindo o de vadiagem, que aponta como uma “perda de tempo para todos os que militam na segurança pública, no direito e no poder judiciário”.
Na Lei de Contravenções Penais, a “vadiagem” é tratada no artigo 59. Nele, a infração é descrita da seguinte forma:
“Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita”.
A penalidade prevista é prisão, de 15 dias a 3 meses. O texto também estabelece que “a aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena”.
No relatório, Augusta Brito aponta a falta de compatibilidade da criminalização da vadiagem com a Constituição de 1988, que tem como um dos princípios a dignidade humana.
“Desse modo, não se mostra minimamente adequada, necessária nem proporcional, conforme análise da descrição típica, herança de uma época em que a polícia dos costumes era utilizada para perseguir e prender indivíduos já marginalizados pela sociedade”, diz o texto do parecer.