Uma a cada 7 mulheres internadas por aborto tem menos de 19 anos

Uma a cada sete mulheres internadas em hospitais públicos no país após complicações em decorrência do aborto tem menos de 19 anos, aponta o Ministério da Saúde. O número total de internações ultrapassa dois milhões.

Os dados são referentes ao período entre 2012 e julho deste ano, o mês com informações mais recentes disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). Foram registradas 2.259.965 internações ao todo, das quais 333.211 de jovens no início da vida adulta ou menores.

Levando-se em consideração todas as idades, 675 internações resultaram em óbito. Ou seja, uma mulher morre a cada 3,3 mil internações. Em 2023, até julho, 95,6 meninas e mulheres foram internadas — houve 19 mortes.

Ainda que já expressivos, os dados na realidade são maiores, como lembra a professora de saúde pública da USP Cristiane Cabral. Há casos que sequer chegam aos hospitais, em função da criminalização:

— A gente recebe, nos serviços de saúde, mulheres em situação de abortamento que acabam dizendo que foi espontâneo por medo: de represálias, por saberem que interromper uma gravidez é crime no Brasil. Além disso, existe um cenário gigantesco de interrupção que sequer chega nos centros de saúde.

De acordo com os parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), o aborto inseguro se caracteriza como um procedimento para interromper uma gravidez indesejada por meninas e mulheres realizado em um ambiente sem condições necessárias e um padrão médico mínimo.

Mundo
Os riscos de vida de mulheres que fazem abortos inseguros ultrapassam as fronteiras brasileiras: segundo a OMS, cerca de 25 milhões de interrupções inseguras são feitas por ano no mundo, causando a morte de 39 mil mulheres e meninas.

A maioria das mortes por complicações acontece em países de renda baixa e em populações vulneráveis: 60% dos óbitos ocorrem no continente africano, enquanto 97% dos abortos inseguros em países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina. A OMS indica que incidência de abortos inseguros é menor em países da América do Norte e da Europa, áreas onde o aborto é legalizado.

Na América Latina, 62 mulheres morrem a cada 100 mil abortos realizados em condições de risco, segundo a entidade Ipas México. O índice na região é mais do que o dobro das fatalidades registradas pela mesma razão em países desenvolvidos.

No Brasil, o aborto está entre as cinco principais causas de mortalidade materna, responsável por cerca de 5% do total. A legislação brasileira só permite a prática em três casos: gestação decorrente de estupro, anencefalia fetal e quando há risco de vida à mulher ou menina.

— As condições de um aborto inseguro são as piores possíveis. Quem tem recursos financeiros consegue interromper em condições seguras, apesar da ilegalidade. Agora, a grande maioria que não tem condições para boas clínicas recorre a lugares insalubres, clínicas de fundo de quintal. Nesses casos, o aborto é feito em um ambiente sem esterilização e instrumentos adequados. O desespero é tão grande que há autoabortos com agulhas de tricô e cabos de mamona — diz Cabral.

Julgamento no STF
Após mais de três décadas de luta de ativistas de direitos humanos, a Argentina descriminalizou o aborto até a 14ª semana de gestação, sob qualquer motivo, em dezembro de 2020. A lei da interrupção voluntária da gravidez colocou a Argentina na lista dos 67 países que autorizam o aborto e foi considerada importante para abrir as portas e retomar os debates em um dos continentes com o maior número de abortos inseguros no mundo.

O aborto chegou a ser a principal causa de morte materna na Argentina antes da promulgação. Segundo dados do Ministério da Saúde do país, em 2020 foram notificados 64.164 abortos. No ano seguinte à legalização, de janeiro a dezembro de 2021, foram realizados 32.758 procedimentos em condições seguras no sistema público de saúde.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, no último dia 22, uma ação que tenta descriminalizar o aborto feito por mulheres com até 12 semanas de gestação. Até o momento, apenas a ministra Rosa Weber, relatora da ação, votou no plenário virtual — o julgamento foi interrompido e será retomado de maneira presencial, ainda sem data.

— Nessa perspectiva e modo de compreender o mundo, a partir da lente da mulher, a maternidade não há de derivar da coerção social fruto de falsa preferência da mulher, mas sim do exercício livre da sua autodeterminação na elaboração do projeto de vida — argumentou Weber.

Fonte: Folha de PE

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