A trama virou caso de polícia. Quatro anos depois, em 2010, veio à tona a existência de um grupo de inteligência montado para servir à campanha de Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto. A tropa era financiada por um empresário com contratos no governo. As informações são do colunista Rodrigo Rangel, do Metrópoles.
Nesta semana, a jornalista Andréia Sadi, da TV Globo, revelou a aproximação da campanha de Jair Bolsonaro com o hacker Walter Delgatti, preso em 2019 e depois denunciado como o ponta de lança do roubo de mensagens do Telegram que expôs a força-tarefa da Operação Lava Jato e abriu caminho para as decisões judiciais que resultaram na reabilitação política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
É um escândalo, e o ponto crucial é o seguinte: o hacker quer dinheiro, e está se vendendo como um personagem capaz de interferir no jogo eleitoral.
Viagem de carro até Brasília
O ressurgimento de Delgatti no noticiário, com direito a reunião fora de agenda com o próprio Bolsonaro no Palácio da Alvorada, vem sendo tratada até aqui como algo insólito, curioso. Mas é muito mais do que isso. Trata-se do primeiro episódio conhecido de alopragem da atual campanha presidencial – e poucos se deram conta disso, talvez porque o entorno do presidente da República percebeu o potencial de dano e correu para interromper a maquinação. Só que pode ter sido tarde.
À coluna, fontes bem-posicionadas na campanha de Bolsonaro admitiram que o hacker se aproximou dizendo estar precisando de dinheiro e mostrando-se disposto a fazer o que fosse preciso desde que fosse bem remunerado.
A volta de Delgatti a Brasília começou a ser pavimentada a partir de um encontro que ele teve com a deputada bolsonarista Carla Zambelli em Ribeiro Preto, no interior de São Paulo. Na ocasião, o hacker disse que estava se sentindo abandonado pelo PT e se mostrou interessado em ajudar na campanha de Bolsonaro, a depender da “ajuda” que recebesse. Zambelli respondeu que poderia resolver a parada.
Ela pediu, depois, para Delgatti encontrá-la em Brasília nesta semana. Acompanhado de Ariovaldo Moreira, o advogado encarregado de defendê-lo desde a eclosão da chamada Vaza Jato, o hacker viajou de carro do interior de São Paulo até a capital federal. A viagem, feita por terra para ser mais discreta, foi providenciada por Zambelli. Um filho do advogado acompanhou a dupla.
Ao chegar, no domingo à noite, eles foram acomodados em um hotel modesto vizinho à sede nacional do PL, partido de Jair Bolsonaro e de Zambelli, na região central de Brasília. Assim como o carro usado na viagem, foi a deputada bolsonarista que se encarregou da hospedagem. Zambelli ficou de encontrá-los na segunda. Não conseguiu.
O real objetivo da “parceria”
Na terça, o hacker e o advogado foram chamados à sede do PL. Com Zambelli e o irmão dela, Bruno, candidato a deputado estadual em São Paulo, eles se reuniram com ninguém menos que Valdemar da Costa Neto, o chefão do PL. Participou ainda da reunião o marido da deputada, o coronel Antônio Aginaldo de Oliveira. Na sequência, o hacker falou com Duda Lima, marqueteiro da campanha de Bolsonaro.
A conversa girou em torno da contribuição que Walter Delgatti poderia dar à campanha de Bolsonaro. A parte da reunião que veio a público até agora é um tanto rósea, e tem sido tratada como algo quase banal: por seu suposto conhecimento sobre sistemas eletrônicos, ele daria impulso ao discurso de Bolsonaro contra as urnas. Balela, até porque quem conhece Delgatti de perto o define muito mais como estelionatário do que propriamente como um hacker habilidoso.
Além disso, circulou a versão de que ele teria mensagens ainda inéditas com potencial de atingir o PT e até ministros de tribunais superiores com os quais Bolsonaro vive em pé de guerra – essa versão é negada por pessoas próximas ao próprio Delgatti e por quem atuou na investigação do roubo de mensagens pelo hacker.
O verdadeiro interesse dos bolsonaristas, porém, estaria em uma terceira questão: a depender das garantias que lhe fossem dadas e do quanto a campanha de Bolsonaro se mostrasse disposta a socorrê-lo financeiramente, Delgatti poderia falar – sabe-se lá se com verdades ou mentiras – sobre como se tornou peça-chave da Vaza Jato.
As declarações teriam potencial de criar embaraços para Lula e para o PT, fazendo barulho em torno justamente da história que foi fundamental para colocar o petista em condições de disputar as eleições deste ano. Por exemplo, ele poderia dizer publicamente se foi bancado pelo partido de Lula ou por aliados. Criaria uma confusão monumental.
O rompimento com o advogado
Na incursão desta semana por Brasília, houve desentendimentos no caminho. O hacker e o advogado romperam por divergências relacionadas à parceria com a campanha de Bolsonaro. O motivo da discórdia é mantido em segredo pelo defensor. Ariovaldo Moreira e o filho retornaram a São Paulo. Delgatti ficou.
O plano avançou mesmo assim, e seguiu para um ponto inimaginável. Zambelli e os demais envolvidos colocaram o hacker frente a frente com Jair Bolsonaro, dentro do Alvorada, em um movimento que seria considerado temerário pelo staff de segurança presidencial de qualquer país minimamente sério – além de ser um condenado pela Justiça ainda cumprindo pena pelos crimes cometidos ao invadir o Telegram de dezenas de autoridades da República, Delgatti até outro dia era festejado pelos principais adversários de Bolsonaro. Como a avaliação reinante até então era a de que a aproximação valeria à pena do ponto de vista eleitoral, o esforço foi levado adiante.
O medo da campanha e a operação-abafa
A alopragem não avançou porque o núcleo da campanha de Bolsonaro se deu conta de que a história poderia se voltar contra o presidente e correu para colocar em marcha a operação-abafa – até agora bem-sucedida, porque as reais intenções da parceria com o hacker não haviam sido ainda expostas.
A favor da decisão de suspender o plano, pesou ainda a hipótese de o hacker estar fazendo jogo duplo, a serviço da campanha rival – por hipótese, ele bem que poderia ser um Cavalo de Tróia enviado para, depois, expor as ofertas recebidas do comitê bolsonarista.
Como parte da operação-abafa, Carla Zambelli foi orientada a submergir e a não falar sobre a trama. Agora, a campanha de Bolsonaro age para circunscrever a ela a iniciativa. “Temos uma aloprada”, diz em privado um integrante do comitê, a despeito de o hacker ter sido recebido por Valdemar da Costa Neto, o “dono”do PL, e pelo próprio Bolsonaro.
De um jeito ou de outro, Walter Delgatti saiu ganhando, e está em condições de conseguir o que queria. Ele agora é um homem-bomba que pode ser usado na campanha por um lado ou por outro. Pode explodir para beneficiar Bolsonaro, com a eventual retomada do plano interrompido, ou pode explodir para beneficiar Lula, se resolver falar sobre as conversas (e as propostas) que o trouxeram nesta semana a Brasília e o colocaram diante do presidente da República.
Atualização — Após a publicação da reportagem, a deputada Carla Zambelli afirmou que Walter Delgatti não lhe pediu dinheiro. A coluna mantém todas as informações publicadas.